3 de abril de 2015

Ouça...

Não sei se meus lábios abrem o sorriso mais amplo e iluminado que, em qualquer dia, tenha conseguido minha alma cansada expressar

ou


se percebo que ainda tenho meus olhos trêmulos de lágrimas, e um semblante retorcido de saudades, quando vejo em um papel tolo tua letra-desenho a me mandar mensagens secretas que traduzem em mim a justificativa de meu sentimento de vida e do sentimento intraduzível que sinto agora, que não estás aqui...


A pergunta...


Quanto do meu sangue pra ter o direito de ver a palidez sacra que se denuncia desse corpo que o sol banhou com seu dourado?


Às vezes...

Às vezes, eu me perco...
Às vezes, raras, eu me encontro...
Às vezes, me perco onde me encontro.

Mas meu sonho é me encontrar  onde me perco...

Eu sonho muito. Como todo tolo...


E agradeço ser assim...


Rabisco


Rabisco.
Rabisco.
Rabisco

E a folha muda e branca torna-se uma rosa que brota sobre a neve.
Ou um cadáver entre os vivos.
Todas as palavras mudam o mundo mas não temos os olhos abertos para ver.
Há a escrita, há a tradução, a releitura, a criação, o cego, o mudo, o mundo.
Todos, sempre, presos às palavras, ao sonho, ao ser.

Continuo...


Rabisco...


Na porta...


Na porta de sua casa, em uma madeira toda enfeitada e envernizada, com letras negras, queimadas, estava escrito, antecipando:

“Nesta casa não se entra Poesia !


Mal sabe ele, coitado, que a Poesia estará ali, mesmo onde é negada, escrita para sempre naquela tábua triste, naquele coração ainda sem portas ou janela, naquela casa fechada.


16 de fevereiro de 2015

Olhos



Com a linha ajustada e firme; o olho direito aberto e atento; costuro as pálpebras do olho esquerdo, num desenho de caminhos desiguais.

(Sinto o vento e imagino que irá chover...)

Preparo minhas mãos para realizar a costura no outro olho e continuar minha obrigação de enxergar como o mundo.

Nome




Rascunho teu nome num caderno qualquer.
E rasgo o papel logo em seguida.
Teu nome torna-se nuvem dourada à minha frente e flutua, leve.
São letras que se desenrolam no gesto imprudente da brisa e misturam-se em dança.
Meus olhos céticos assistem a tal assombro e sei que meu delírio brinca comigo.
Tenho os olhos ardentes de um sono que nunca mais me visitou.
Tenho a mesmas mãos trêmulas de antes e o semblante que lembra escarpas.
Minha pele está fria como gelo e sei que meu coração nunca me pertenceu.
O que tenho em mim é só a certeza de que não sou nada além de ausência.
Respiro fundo.
As letras de teu nome, rasgadas no papel sobre a mesa, estão tão incomunicáveis a mim como o próprio mundo a minha volta.


12 de fevereiro de 2015

Rosto

Olho o rosto à minha frente.
Sou eu que me encaro, tenho certeza.
Mas não me reconheço.
Tenho vontade de ter uma lâmina que recorte essa face (qualquer das duas...) e obrigue-nos a revelar nossos rostos verdadeiros.
Misturam-se, em mim, o horror e o nojo da visão que me empalidece nestes dias trêmulos.

Não é um espelho, reflexo ou sonho.

Sou eu, à minha frente, preso ao meu desconhecimento e descontentamento.
Prisioneiro de mim mesmo e do silêncio que me sufoca.

Estes dias...


Espero os dias passarem.
Talvez passem como passaram todos os outros até hoje: lentos, inúteis, fantasmagóricos...

Como eu.

Ou, talvez, estes dias de silêncio, em que o melhor de mim se perdeu em caminhos esperados por mim, sejam a ponte, o arco reteso, o tigre na caverna: a esperança que aguarda o desfecho.

Eu olho o céu e espero aquela nuvem sábia que com chuva e granizo me desafiou em meu tédio.

Enxergo olhos e me fecho, em mim.

Tudo que sei é do silêncio desses dias.


1 de fevereiro de 2015

Comunhão



Na ilusão dessa vida, que se satisfaz em respirar e atravessar dias e noites, comungo minha carne com a de sonhos.


31 de janeiro de 2015

30 de janeiro de 2015

Espera



Na incógnita crueza do dia que brota entre nuvens
perpasso nos poros o sopro leve do sonho.
Esta espera verdejante da vontade que tenho
do lábio quente e suave que, a minha boca, aquela compreende...


29 de janeiro de 2015

Crença



Na crença dissolúvel das verdades que possuo sobre tudo
nada me faz crer que possa suplantar sua ausência.
Não me causa a morte nem o vômito, a sua espera.
Não me torno em outro, mesmo sendo, todo instante.

Na razão de minhas respostas incomunicáveis a outros
tudo que me foi incorreto hoje é desejo, é querer.
Não sei do dia a causa primeira, o respirar.
Não sei do sonho, da realidade, sombra ou brilho a me guiar.

E sei, no entanto, que de mim resta o que fui depois...
E resta em mim pouco do que era antes de te conhecer...
Me guio na força que tinha antes de você
mas sobrevivo da esperança do que ainda virá...


Difícil dizer o que em mim não tem seu toque
e difícil caber no mundo depois de você...


28 de janeiro de 2015

Calado



Calei minha boca!

E, no silêncio inerte que brotou, reconheci minha solidão de pessoa muda, nua, no mundo...


27 de janeiro de 2015

Sei



Folhas negras balançam na dança do vento.
Lento, amanheço e, cego, sigo o caminho incerto.
Esperto como caracol que se esconde em sua casa
e sai para um passeio sob uma chuva de sal,
permaneço inerte em mim.

Cobra que dorme após a si mesma...

E sei de mim o que ainda não sou...


25 de janeiro de 2015

Versos



Nos versos transversos e travessos
desse tempo demoníaco que se disfarça de inócuo,
Arrasto as coisas fúteis como fartas

e me furto do que penso ser exato.

No palmo, palma, de mãos minhas que desconheço
arrasto o deveras estranho devaneio de que me pertenço.
Nada meu, nada a requerer...
Estrondos, estragos, paliativos e empalados...

Rotos restos, todos rostos...

Nunca espelho o que merecerei. Apenas, à penas.


24 de janeiro de 2015

Sigla

Enquanto insisto ter amor entre os dentes.
Insisto que as flores invoquem teu nome.
Tenho a ânsia que tua vinda me provoca.
As letras de teu nome, inequívoca santidade, prece que me prende, tremores em minha pele que vibra, desejo de tua pele que toca, vontade desse beijo que brota, fome dessa carne que sente.

Entre meus dentes...
Indo e vindo em mim...
Teu gosto em minha carne...
Ando indo a ti.

Quem me dera chegar.

 

23 de janeiro de 2015

Meu coração

Tudo se desgasta. Menos meu coração...
Cansado e tolo, ainda assim tem sempre espaço para a paixão.
Por isso, as rimas tolas, a brisa que sopra.
Desencanto e alento, sem resposta.
Não tenho alma: doei-a, em silêncio.
Minha carne é peso e despedida.
Sangro dentes que sorriem por entre uma pele negra.
É sonho o que sinto.

É sonho o que sinto...


22 de janeiro de 2015

Sem dor



Meu coração é uma rocha que se desdobra em pó.
Minhas unhas se cravam em minha carne úmida.
Cuspo sangue. Escorrem em mim lágrimas e suor.

Ressaca incômoda, que não me atarefa nem cansa,
precipita-me no vão dos dias que surgem. 
Escorro meus dedos pelas paredes da casa.

Ouço o silêncio que a escuridão propicia. 
E, mesmo assim, não dói mais viver:
Tenho aqueles olhos pra lembrar...


20 de janeiro de 2015

Conversa




Então, ele sentou frente à ela e encararam-se como se não se conhecessem.
Só silêncio brotou daqueles olhos.
Ambos tinham a certeza da dúvida e não acreditavam no destino.
Estavam sós e ninguém no mundo poderia mudar isso.
 
Calados, por minutos, ali ficaram.

E isto foi o adeus...





9 de janeiro de 2015

Resto



Então existe poesia por todos os cantos...

No canto dos olhos que vejo.
No resto de sombra de quem nunca foi ou se foi...
E de quem nunca esteve.

Há o vento que toca a pele como dedos, lentos, que passeiam.
Há um canto que é um universo.
E há um canto de prece neste peito que padece.

Tenho os dias e as horas, as mágoas e as cores.
E, por todo canto, poesia.
Que pena eu estar à deriva...

Resto







Estes muitos dias eu estive mal...

Um resto tolo de arco íris em mim ainda restava, mas, no geral, só haviam cacos.
E alguns fios de luz entre as brechas das telhas que me fecham no quarto sobre mim.

Continuo mal...

Este resto e luz não me traz esperança ou alívio.

Sei que está tudo perdido...

Lembranças não são asas: não levam a lugar algum.

16 de outubro de 2014

Ainda teu...

Um  dia eu toquei suas mãos e senti que havia me encontrado, pela primeira vez.
E troquei, contigo, frases e segredos que eram meus desde sempre. E que agora não são mais segredos e sequer me pertencem, já que os dividi contigo.
E dei-te presentes. Não eram pra te agradar, nem pra conquistar nada de você. Apenas me agradava, já que era em busca de seu sorriso que eu o fazia.
E, assim, um dia nos amamos...
Em palavras, corpos, fogo, asas, letras.
Fizemos uma prece sagrada e te canonizei santa de meu altar.
E tu me deste tudo que era teu.
E eu te exigi mais do que devia: não me bastavam mais teus versos, teus olhares, tua cumplicidade.
Não me bastava imaginar que existia.
Queria-te inteira, corpo e fogo novamente. Queria a carne e não só a prece.
Fiquei vil, reles. Voltei à minha humanidade.
Mas nunca te fui indiferente. Nunca me esquivei de ti.
Mas me doía cada vez que te falava e tua única palavra era “nada”.
Teu único diálogo era o silêncio.
E eu sabia que estar com você, ainda assim, era tudo que eu queria. Mas sentia em mim que eu estava sendo um tolo.
Porque era amor o que eu sentia...
Mas, em mim, eu sabia que não o receberia mais...
Só suas juras, suas palavras. Sequer com suas promessas eu podia contar: que planos você  traçou pra nós que manteve? Que planos ainda temos pra sonhar, já que não há jeito de você se permitir entregar, enfrentar?
Você não percebe que é você que teme. Que é você quem evita, quem foge, quem quer e não quer.
Não, eu não quero a parte ruim do amor.
Não, não quero te ferir com palavras de lamentos, nem te culpar.
Não, não vou escrever nada pra te ferir.
Não, não te prometo este como meu último poema pra você.
Meu coração é uma fresta na porta da esperança, entre o inferno e o céu. A luz que brota ainda é a do teu olhar.

...